Outro texto retirado da monografia: PREVENÇÃO AO USO INADEQUADO DE HORMÔNIOS EM TRANSEXUAIS E TRAVESTIS - 2007
Monografia apresentada à Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina para obtenção do título de Especialista em Promoção de Saúde e Prevenção do Consumo de Substâncias Psicoativas
Por Pedro Henrique Gatti Lima
Uma das questões principais percebidas
no trabalho com transexuais foi a carência de profissionais treinados para esse
tipo de atendimento. Muitos psicólogos, médicos endocrinologistas, dentre
outros, se esquivam de atender esse público com medo de um processo judicial e
principalmente por terem tido tão pouco ensino sobre a área.
A Dra. Márcia Tapai Foster, médica
endocrinologista, comentou em entrevista, que nos tempos de faculdade aprendeu
muita coisa a respeito da TRH (Terapia de Reposição Homonal), porém direcionada
para pessoas sem Transtorno de Identidade de Gênero. Existe uma lacuna na
própria formação médico-científica que faz com que a deficiência no atendimento
à transexuais e travestis persista. Há estudos sobre o assunto, entretanto a
divulgação destes é o que compromete.
Para começar a atender, me remeti aos
livros e a pesquisas na internet, depois de procurar bastante, consegui criar
uma pequena biblioteca sobre o assunto e, posteriormente, veio a primeira
paciente.
Ela já chegou num estágio avançado,
tratava-se de uma mulher transexual (MtF), que fazia uso de hormônios como o
Perlutan® e o Androcur®. Sua queixa principal era a necessidade de um
laudo comprovando que realmente era uma transexual e que necessitava de uma
cirurgia de adequação sexual.
Depois de um tempo de trabalho, uma
coisa ficou realmente clara, ela era uma pessoa que tinha uma queixa, porém
como todo ser humano, outras tantas queixas se escondiam por debaixo daquela
casca. Quando se sentia triste ou quando falava de suas alterações de humor
colocava a culpa no hormônio. Essa questão é bem relevante já que é sabido
(Sadehh, 2004; Vieira, 1996) que os hormônios causam alterações psicológicas,
todavia esquecem que ao usar a substância estão fugindo de um outro problema, o
Transtorno de Identidade de Gênero.
O que percebi na clínica é que a
questão do físico realmente tem sua importância, principalmente pontuada pela
passabilidade* , mas junto com esta devem ser avaliadas as condições em
que o individuo se encontra. Se tem a capacidade de fazer escolhas e arcar com
suas conseqüências, já que, por mais que alguns efeitos dos hormônios possam
ser revertidos com a abstinência, ele também causa alterações irreversíveis,
como no caso do homem congênito que faz uso de hormônios femininos e fica
estéril e da mulher “genética” que faz uso de testosterona e que se
descaracteriza.
Mesmo com um número não muito grande
de atendimentos é possível comprovar a facilidade com que as pessoas com
Transtorno de Identidade de Gênero conseguem adquirir hormônios.
Através do relato de uma paciente
ficou muito claro essa facilidade, pois ela conta que viu um anúncio na
internet, trocou e-mails com a pessoa que vendia e concluiu a compra, recebendo
sua encomenda via correio, sem precisar sair de casa.
Uma outra forma, na verdade, a mais
comum vista até agora é entrar em contato com alguma transexual ou travesti e
perguntar que hormônio que ela toma, normalmente elas respondem e passam uma
“receita” indicando quais hormônios usaram e a forma como usaram, contudo é
importante ressaltar que nem sempre o que funciona para uma pessoa, pode vir a
fazer o mesmo efeito para outra
Remeto-me ao comentário de outra
paciente, que fala sobre o início de sua hormonização, em seu livro que está
prestes a ser publicado, onde fala da facilidade para conseguir comprar
hormônios e sobre as tonturas ao ingerir as primeiras pílulas, além das manchas
no corpo por conta do remédio ser ingerido por via oral e ser metabolizado pelo
fígado.
A necessidade de mudar o corpo e até
de ficar alterada emocionalmente faz com que as transexuais usem altas doses de
hormônios, fazendo a regulação destas, através de sua própria vivência.
Durante os atendimentos, me vi forçado
a intervir inúmeras vezes para que meus pacientes fossem buscar ajuda de
médicos especializados em hormonização. Fica muito difícil trabalhar
psicologicamente com alguém que não consegue diferenciar o que é sentimento
real e o que é influência dos hormônios.
Assim como qualquer outra substância,
o hormônio mascara sentimentos e emoções, servindo, às vezes, como fuga para
uma realidade mais amena. Junto com isso vêm os efeitos colaterais e a
necessidade de continuar sua transformação, adjacente ao sentir-se aceita pela
sociedade como pertencente ao gênero oposto.
Em discussão com Luís Carlos
Fernandes, outro psicólogo que também trabalha com a questão do Transexualismo
e focando a relação sexual, vimos que existem muitos relatos sobre a aceitação
que se tem do corpo. Mesmo com toda a hormonização, os cuidados estéticos e o
modo de se mostrar dentro da relação, pode acontecer do parceiro querer tocar a
região genital ou ainda tocar os seios do homem transexual (FtM), tal fato
exerce tamanho desconforto para o indivíduo transexual que parece tirar dele o
auto conceito, colocando-o frente a sua realidade que é discordante de seu
pensamento.
Situações como a apontada acima gera
uma enorme angústia no paciente transexual, criando nele a necessidade de
aperfeiçoar seu corpo mais e mais, tentando assim suprir uma falta que nem
sempre está consciente (que é a insatisfação com o corpo e com a realidade),
despertando nele a necessidade de continuar a tomar hormônios para alterar sua forma
física e, por vezes, em doses maiores para que se chegue logo a completude.
Outro ponto que chama atenção é a
necessidade de manter as alterações psicológicas. É fato que, com a ministração
de hormônios, algumas características psicológicas mudam e afetam o campo da
emoção. Os homens transexuais (FtM) podem vir a se tornar mais agressivos e com
características estereotipadas do sexo masculino, enquanto as mulheres
transexuais (MtF) tornam-se mais emotivos e mais sentimentais.
Existe também o caso do uso sem
finalidade terapêutica, onde mesmo adquirindo as características sexuais
secundárias a pessoa continua administrar doses mais altas a fim de chegar
“mais” próximo do gênero alvo. Isso se mostra claramente como um uso inadequado
uma vez que se o hormônio for utilizado em doses exageradas pode vir a
intoxicar o usuário e não produzir o efeito desejado.
Referências:
SAADEH, Alexandre Transtorno de identidade sexual: Um estudo psicopatológico de transexualismo feminino e masculino; São Paulo – 2004
VIEIRA, Tereza Rodrigues. Mudança de sexo: Aspectos médicos, psicológicos e jurídicos. São Paulo: Livraria Santos Editora, 1996.
Olá Pedro, somos colegas de trabalho.
ResponderExcluirParabens pelo seu artigo, acho muito bom estas reflexões, pois devido ao tabu, são reflexões que parecem não existir no meio médico e até entre os psicologos, infelizmente!
Queria saber se vc tem algum dado ou ref. Bibliog. sobre o Cross Dress, homens que gostaria de ser mulher, e que sofre de identidade de gênero.
Eu agradeço a colaboração!!
Ola Lucimaria,
ExcluirA idéia deste blog realmente é a de divulgar estas referências e levar estes assuntos a quem se interesse, sejam profissionais ou pessoas que buscam por ajuda.
Infelizmente a questão do Crossdresser é ainda menos estudada que a do transexualismo, tenho algum material sim, mas é pouco. Sei que existe um psicólogo chamado André que já publicou algo sobre o assunto. Vou tentar levantar estes dados e te passo por e-mail se quiser.
Nos meus links na barra lateral você vai encontrar o Estúdio Duda Nandez, lá eles promovem encontros de CDs talves te interesse.