segunda-feira, 18 de junho de 2012

Aspectos histórico-culturais


Existem relatos de casos de castração, eunucoidismo e transexualidade desde a mitologia greco-romana, visto o caso do adivinho Tirésias que ao ver duas cobras copulando no cume de uma montanha as separa e mata a fêmea, assim sendo, ele é punido pelos Deuses, sendo transformado em uma mulher. Sete anos depois, já adaptado a essa condição, ele novamente sobe o monte e encontra duas cobras copulando, dessa vez ele as separa e mata o macho, e com isso consegue reaver sua forma masculina.
Por conta de ter experimentado tanto o prazer masculino, quanto o prazer feminino, Tirésias é escolhido como juiz numa disputa entre Zeus e Hera em relação a esse tema.
Tirésias diz que o prazer da mulher é muito superior ao prazer do homem, porém Hera o cega ao compreender que este prazer depende do desempenho do homem.
Zeus condoído, lhe da o dom da adivinhação como forma de “ver o futuro”. Esse dom vai desempenhar um papel especial em outros mitos, como o de Édipo, por exemplo. (BRANDÃO, 1997, apud SADEEH, 2004, p. 12)
Os gregos possuíam um Deus chamado Hermafrodita, que era o patrono da união sexual, este possuía mamas como uma mulher e pênis como um homem, se assemelhava bastante ao travesti dos tempos atuais. (SADEEH, 2004)
Vários países e culturas do mundo têm sua forma específica de designar determinados subgrupos de transexuais. Na Índia existem as “Hijras” que foram designadas como homens no nascimento e mais tarde passaram a viver como mulheres. Na Tailândia o termo “Kathoey” é utilizado de forma semelhante a transgênero. Em muitos países ocidentais utiliza-se habitualmente a palavra travesti para identificar pessoas transexuais. (WIKIPEDIA, 2007a,b)
Em relação as “Hijras”, elas são aceitas culturalmente, desde há muito tempo. (Cohen, 1995) e segundo Money, 1988 as “Hijras” podem pertencer tanto a uma casta quanto a um culto. Possuem uma deusa própria, Bahuchara Mata, e pela medicina ocidental podem ser considerados transexuais masculinos.(Cardoso, 2005)
Na Tailândia foi realizado um estudo muito interessante sobre as tradicionais travestis tailandesas, as “Kathoey”, foram entrevistadas, 165 “Kathoeys” com idade media de 25 anos. O estudo mostra que por volta dos 10 anos, 71% deles já se sentiam diferentes dos outros meninos, 42% sentiam que tinham uma mente feminina ou “Kathoey” e 35% já se percebiam exatamente como se percebem hoje. Interessante apontar que somente 7% assumiu ter experimentado algum sentimento sexual nessa fase e que apenas 2% afirmou ter tido alguma experiência sexual. (CARDOSO, 2005)
Com a entrada na adolescência, estes indivíduos, começaram a se perceber mais como mulheres ou um terceiro gênero e a maioria percebeu ou desenvolveu uma preferência sexual, consistente com sua nova identidade sexual, ou seja, atração sexual por homens e desejo de serem penetrados. (CARDOSO, 2005)
Carl Heinrich Ulrichs (1862-1995), era um advogado, homossexual, que propôs a teoria de que os homossexuais não seriam nem criminosos nem insanos, mas sim, “almas de mulheres aprisionadas em corpos de homens”, resultado de um erro na diferenciação embrionária. (SADEEH, 2004). Muitos transexuais baseiam-se nesta teoria para tentar justificar a sua condição diferenciada.
Com um pensamento muito semelhante Costa (1994) coloca que o transexualismo seria uma extrema inadequação da identidade de gênero, resultando em grande sofrimento sentindo sua alma feminina aprisionada num corpo masculino (MtF) ou o contrário no caso do FtM, onde a alma masculina estaria presa num corpo de mulher.
No Brasil, a figura do travesti apresenta características distintas das descritas por pesquisadores americanos e europeus, cabe destacar que o travesti masculino, mesmo se submetendo a tratamento hormonal, deixando os cabelos crescerem, realizando cirurgia para a implantação de silicone criando mamas semelhantes à de mulheres, mesmo esteticamente em muito se aproximando do visual feminino, ainda assim, o verdadeiro travesti não nega sua genitália masculina. (OLIVEIRA, 2001)
Referente a genitália, o travesti à aceita como algo que o torna uma mulher diferente e parte do fetiche, além de muitas vezes ser a questão principal no relacionamento, já o transexual nega a sua genitália, não suporta e não gosta de ver, tocar ou ser tocado. O travesti não se sente acanhado de tocar, ver ou ser tocado em sua genitália. Para o travesti, sua genitália faz parte do modo como obtém seu prazer sexual. O transexual não admite obter prazer com sua genitália, seja em nível de masturbação ou com o envolvimento de outras pessoas. (OLIVEIRA, 2001)
Antigamente o travesti se restringia unicamente a alterações de vestuário e cosméticas no corpo, atualmente, em nossa cultura, mesmo o emprego de hormônios e aplicação localizada de silicone (muitas vezes silicone industrial) podem estar presentes enquanto variações que, não classifiquem por si sós o sujeito como um transexual. Existe a necessidade de clarificar as diferenças entre os transexuais e os travestis, uma vez que existe a necessidade de um olhar diferenciado no cuidado com estas pessoas, baseado no contexto cultural e social em que estão inseridos. (OLIVEIRA, 2001)
Em 2006 foi publicado na revista “Estudos Feministas” de Florianópolis um trabalho com um olhar apontado especificamente para o travesti brasileiro, Larissa Pelúcio, traz que as travestis são pessoas que nascem com o sexo genital masculino (por isso a grande maioria se entende como homem) e que procuram inserir em seus corpos símbolos, do que se remete socialmente ao feminino, sem, contudo, desejarem extirpar a genitália, com a qual, geralmente, convivem sem grandes conflitos.
Ainda nesse trabalho a autora comenta que “Não basta se vestir de mulher para ser travesti”. Assim como comenta Claudinha Delavatti, travesti já falecida, entrevistada pela autora: “travesti que não toma hormônio não é travesti, pensa que é carnaval e sai fantasiado de mulher”.
Hélio Silva, num trabalho etnográfico sobre as travestis da Lapa, cita a fala de uma delas que diz que, além dos hormônios, é preciso que se façam aplicações de silicone a fim de dar forma feminina ao corpo. Para as travestis, além dessas intervenções e da apreensão de uma série de técnicas corporais que as distancia dos padrões masculinos, buscam agir, em muitos momentos, segundo prescrições de comportamentos instituídos como femininos, sem esquecerem, em contextos específicos, que dentro delas “mora um rapaz”, expressão habitual no meio. (1993, apud Pelúcio, 2006)
Um outro ponto de interesse que se apresenta e que deve ser levado em consideração é a pergunta: Quem é o parceiro do transexual e da travesti?
Em 1993 dois pesquisadores, BLACHARD e COLLINS realizaram um estudo a respeito de homens que se interessavam por travestis, transexuais e homens feminilizados. A esse desejo eles dão o nome de ginandromorfofilia e concluem que essa população é bem maior do que se imagina. (SAADEH, 2004)
Em relação ao transexual, é fundamental destacar a dor e o sofrimento de sentir-se preso a um corpo e situação social não condizente com seu estado emocional. O transexualismo está relacionado aos sentimentos e desejos internos de adequar-se fisicamente ao que se é psicologicamente, diferentemente do travesti brasileiro que em muitas situações, visa obter lucros com a absorção de símbolos do gênero oposto, o transexual busca a troca de sexo, a fim de encontrar a integridade física e emocional, na medida em que o indivíduo comporta-se e sente-se de fato como se fosse uma mulher em um corpo de homem ou um homem em um corpo de mulher. (OLIVEIRA, 2001; CARDOSO, 2005)
O transexual apresenta um distúrbio de identidade de gênero, constante e persistente, que evolui na busca da mudança permanente de seu sexo, passando pelo vestir-se e comportar-se de acordo com o outro sexo, dando seqüência a um tratamento hormonal e culminando em uma cirurgia de redesignação sexual, a não ser que, apesar do enorme desejo neste sentido, o indivíduo se veja impedido por fatores outros e que necessitam de uma solução antes da mudança definitiva de sexo. Tais fatores impeditivos podem estar relacionados à falta de dinheiro para custear o tratamento, conflitos morais ou religiosos, problemas oriundos do fundo sócio-cultural, político, legal e religioso no qual o indivíduo está historicamente inserido.
Harry Benjamim em 1952 foi um dos primeiros a usar o termo transexualism (transexualismo), que na época competia com outros termos como, transexists ou inversion e durante muito tempo, foi discutida a diferença entre os transexuais e os travestis; cabe destacar que eles podem ser considerados fenômenos diferentes, mas que também podem ser percebidos como sintomas ou graduações do conflito de gênero, em que os travestis teriam um comprometimento menor e mais recorrente na questão da prevalência, por outro lado, no caso do fenômeno transexual, haveria um comprometimento maior e mais profundo, porém com uma prevalência bem menor (BENJAMIM, 1966)
Esta questão nos coloca mais uma vez frente à necessidade de um bom diagnóstico para poder trabalhar de forma correta o indivíduo, pois um travesti nem sempre quer perder sua capacidade de ejacular, como um individuo do gênero masculino, além do que em muitos casos esse é o diferencial na relação ou até mesmo o que dá o sustento para algumas travestis que se prostituem, diferentemente de um transexual que ao ser tocado em sua região genital ou nos seios no caso de um transexual masculino, sentiria-se rebaixado ou incompleto.
 
Referencias:
BENJAMIN, Harry (1999). The transsexual phenomenon. [Electronic Edition]. Dusseldorf: Symposium. Retrieved June 18, 2005 from: http://www.symposion.com/ijt/benjamin/index.htm. Originalmente publicado como Benjamin, Harry. The transsexual phenomenon. New York: Julian Press, 1966.
CARDOSO, Fernando Luiz. Inversões doPapel de Gênero:”Drag Queens”, Travestismo e transexualismo. Psicologia Reflexão e Crítica, 2005, 18(3), pp 421-430
COSTA, Ronaldo Pamplona da. Os 11 sexos: As múltiplas faces da sexualidade humana. 3º ed., São Paulo: Editora Gente, 1994.
OLIVEIRA, Silvério da Costa. O psicólogo clínico e o problema da transexualidade. Revista SEFLU. Rio de Janeiro: Faculdade de Ciências Médicas e Paramédicas Fluminense, ano 1, nº 2, dezembro 2001.
PELÚCIO, Larissa. Três casamentos e algumas reflexões: notas sobre conjugalidade envolvendo travestis que se prostituem. Estudos Feministas, Florianópolis, 14(2): 248, maio-agosto/2006
SAADEH, Alexandre Transtorno de identidade sexual: Um estudo psicopatológico de transexualismo feminino e masculino; São Paulo – 2004
WIKIPÉDIA. Desenvolvido pela Wikimedia Foundation. Apresenta conteúdo enciclopédico. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Transexualidade&oldid=6929192>. Acesso em: 20 Ago 2007c

3 comentários:

  1. Texto esclarecedor e maravilhoso! O melhor foi citar as referências... importantíssimo para quem interessa-se pelo assunto! Parabéns!

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    1. Obrigado, é bom receber este tipo de incentivo nos primeiros textos.

      Abraços

      Pedro Lima

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  2. Um texto muito esclarecedor. Estou fazendo tcc e o tema é sobre homens trans, citar as referências é fundamental. Parabéns!

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